Como Jung pode nos ajudar
O problema: porque as relações
sexuais entre homens parecem ser tão complicadas?
1 - A hipótese social: porque todo prazer
sexual, não sendo para a reprodução da mão de obra, isto é, nascimento de
crianças, foi perseguido e não gerou nenhum estatuto de rituais, nem propaganda
positiva desse tipo de relação. Foi sempre vendido para ser contido como apenas
prazeres “imundos”, “anormais”, “genitais”, “safadeza”, “doença”, “aberração”.
O sexo reprodutivo foi vendido como “o certo”, com rituais festivos: casamento,
noivado, amor romântico purificando e
deslocando, nos filmes, através de canções, o sexual para uma relação de amor.
Isso gerou para o prazer entre homens, apesar de sua tradição longa em muitas
civilizações, um prazer órfão, condenado à sarjeta. Para ser praticado por
“anormais” na calada das madrugadas, escondido de todos. Sob o manto de imensa
vergonha.
2 – A hipótese psicanalítica
mais tradicional: não tendo um estatuto, o sexo entre homens passou a
copiar o sexo reprodutivo, heteronormativo como chama hoje a teoria Queer.
Assim sendo, um homem, que representa uma “lady” ou senhorita nervosa querendo
amar e outro homem, em geral vagabundo, objeto do desejo. Essa representação
teatral surgiu devido a essa orfandade de modelos. O menino, então, quando
descobre que sexo com o mesmo sexo é muito prazeroso, se sente órfão, sem o
amparo dos pais e, alguns, para compensar isso, se enxerga como uma dama fina e
educada, mas atraída por um homem que não a quer e só pode ser comprado e, assim, obrigado a amá-la.
Vive essa fantasia que o outro é o homem e, de fato é, no sentido em que não se
sente uma dama e sabe que, nesse jogo, “ela” está comprando sua esperada
masculinidade: homem que gosta de mulher e fará “o favor” de incluí-la no seu
harém. Mas ele também se sente órfão ao se relacionar com o mesmo sexo porque é
medroso, às vezes muito mais do que a “lady”. Ele está, portanto, representando
e, o tempo todo, tentando ajustar sua fraqueza total à sua descoberta de que
pode satisfazer sexualmente outro homem e aí se proteger da punição social. É
um jogo de órfãos, extremamente medrosos, que em vez de se tornarem ou
desenvolverem o guerreiro interior, ficam buscando, onde não encontrarão, quem
vai cuidar deles. Por isso, o que representa o papel de homem na relação,
espera também, do outro homem, que cuide dele, mas o deixando livre, porque ele
ainda é uma criança órfã que quer um homem mais velho para substituir sua
família ou, em um momento de necessidade, suprir esse momento de sua vida. É
existencialmente órfão e tenta sair da orfandade para brincar à vontade como
uma criança, que não é mais órfã porque encontrou um que se apaixonou por ele e
o mantém e o aconselha como um pai e uma mãe que o amam incondicionalmente e
ele incentiva o tempo todo que o amem. Entretanto, como uma criança raivosa e
psicopata, ele tortura o outro o tempo todo para, como faz com todos à sua
volta, o aceitar como uma criança idiota mantida por alguém que o tenha parido
ou não. Se encontrar moleza faz o outro manter ele com o teatro de se casar e
ter filhos. Porque ele é tão medroso que tem de casar e ter filhos.
Pateticamente, acaba até casando várias vezes com mulheres, e mantendo a
relação com a “lady” que é o outro homem. Já a “lady”, se sente também órfã,
mas só infantil na vontade de ser amada. Não é uma eterna criança, uma espécie
de síndrome de Peter Pan. Aos trancos e barrancos se apega a uma cultura ou
posição social superior, daí se sentir uma “lady”, para poder substituir a
orfandade. Entretanto, a orfandade
permanece na hora de tentar receber amor do objeto do desejo que não pode
amá-la, como também não ama a mãe, nem mulheres, nem os filhos, se os gerou.
Ele é uma criança sociopata e por isso não ama ninguém, nem a si mesmo. Ele
quer viver sua orfandade sustentada por uma vítima que substituiu a sua família
ou se juntou a ela para o manter. Portanto, é impossível que a “lady” consiga
que o seu objeto do desejo, o homem quase marginal, de uma masculinidade
explícita ou ensaiada, possa amá-la. Ele
não pode satisfazer essa necessidade porque ele é mais fraco do que a “lady”,
tanto que não tem profissão, não se mantém, é uma criança eterna, mais órfã do
que a “lady”, que no seu imaginário é fina, rica e maravilhosa. Às vezes até o
eterno objeto do desejo de outro homem, não trabalha, nem estuda, porque, se
assim não o fizer, não terá mais a desculpa, isto é, o passaporte para ser
mantido por outro homem e, assim sendo, sua orfandade fica difícil de carregar
uma vez que ele se sente órfão e medroso para enfrentar a sociedade amando
outro homem. Daí ele mesmo se boicota. Por detrás dos músculos e trejeitos
pega-moça, ou melhor, pega-veado, habita uma criança voluntariosa, sem nenhum
caráter, mentirosa como toda criança, eternamente em busca de brincar, o que
inclui muito álcool, drogas de todo tipo e vícios que para a ele não passa de
brincadeiras. Em geral, é um inútil, que não tem noção de nada, não estudou,
não tem emprego, consome ou drogas pesadas ou álcool em excesso. Rapidamente ,
como a vida das borboletas, eles ficam obesos, feios, deprimidos e na sarjeta.
Observem eles no asilo, no hospício, no cemitério ou vagando como zumbis à
beira da mendicância, vivendo de favor, humilhados e carcomidos, fracassados na
casa de uma irmã. Resumo: a “lady” fina, se achando superior como a personagem
Blanche Dubois de Um Bonde Chamado Desejo,
termina sendo vencida pelo mais fraco do que ela, no momento do seu desejo pelo
corpo do Peter Pan, que por uma tentativa de se libertar da orfandade enfrentou
o desprezo e/ou a violência dele. A “lady” se sente órfã à procura da mãe e do
pai perdidos na aparente força do outro que ela tem desejo. Encena a mulher
frágil pensando que assim o conquistará. Com gritos e lágrimas. Só que, o
outro, é mais fraco do que “ela”, medroso, incapaz de amar por medo da
sociedade ou não quer amar porque é uma criança brincalhona e incapaz de
crescer, o que o faz ser sempre um fracassado. Aí “ela” fracassa mais uma vez
em sua inconsciente tentativa de substituir a mãe pelo seu atual objeto do
desejo, que sendo um homem não gera socialmente, nem foram criados para isso,
os rituais possíveis para resolver o problema edipiano. A mulher substitui a mãe no casamento e na
nova família. Como fazer isso com um outro fragilizado, sob todas as formas,
tendo apenas músculos que vai perder em breve e um doce pássaro da juventude
corporal que passará rapidamente e só restará, algumas vezes, a piedade da
“lady” de memória sempre amarga? Repare
que o homem comum, egoísta, tolo, mas autoconfiante, pode ter uma fase de criar
um corpo belo como a “lady”, mas o que ele quer é ter dinheiro, repare, ter
dinheiro e poder e não se preocupa com a velhice, corpo gordo ou desajeitado,
se é feio ou não. Não sofre do complexo nem de Cinderela nem de Madrasta de
Branca de Neve. Ele não que ser amado, ele quer é gozar, ter dinheiro e poder.
A mulher bonita e jovem ele nem se preocupa se gosta ou não dele. Essa é a
preocupação obsessiva da “lady”. Ele quer é a possuir. Ele se acha bonito
porque não tem idade uma vez que dinheiro e poder não têm idade. Por isso eles
vendem a alma ao diabo ou seja seu charme, seu glamour para ter o dinheiro e o
pau sempre ereto para sentir prazer ou o rabo, pouco importa, ele quer é gozar
a vida. Já a “lady” que ser amada. Sofre de uma imensa carência afetiva porque
não consegue se amar como é. Se ser sempre muito bonito e jovem é coisa de
gente tola. O negócio é se ser um guerreiro sem idade, capaz de gozar a vida da
melhor maneira, para além de vícios e muletas, para se ser o mais eficiente
possível nessa sociedade de canalhas e assim conquistar a paz de espírito e a
verdadeira felicidade.
3 – A Hipótese Guerreira usando Jung como ilustração: me apropriei de
alguns conceitos para criar uma análise mais de acordo com que sempre
pesquisei: a formação da masculinidade guerreira entre homens que sentem prazer
sexual com homens. As histórias de vários povos narram o que Jung chamou de
arquétipos ou modelos recorrentes sugerindo que eles descrevem ou criaram um
inconsciente coletivo. Bem, não é preciso se ter esses modelos tão recortados.
Existe o medo da orfandade. Esse medo é ter de lutar pela vida sozinho. O medo
da solidão é isso. Estar só para lutar não é bem só estar só porque não tem
mais a mãe e o pai ou a sua família está fragmentada em outras famílias, quer
dizer, os irmãos casados, vivendo em outra casa. Só resta o emocionalmente
gelado apartamento sem ninguém. Daí a Blanche Dubois querer resolver essa
angústia de se sentir órfã sem desejar uma mulher para fazer uma família.
Ela luta para aprisionar o seu outro objeto
do desejo. Só que ele não se acha órfão porque resolve sua orfandade com o
modelo do malandro, daquele que se afoga na semi-marginalidade, vivendo no
absolutamente presente de Peter Pan. Ele teme ser órfão e extravasa sua
fraqueza com uma pseudo-força que transforma sua liberdade exacerbada do
presente a um ponto de o fazer se afogar nela como o menino que sabe que será
órfão e aproveita o pouco tempo que tem para gozar de tudo que pode em uma
noite só. Gozo corporal para entorpecê-lo de sua falta de força, de maturidade
que esconde sob seus músculos, juventude e uma possível instável beleza: uma
criança selvagem porque extremamente medrosa. Daí nunca será nada na vida nos
termos de um capitalismo a natureza
também selvagem que não tem espaço nem para seres fracos nem para crianças com
corpo de homens.
4 – Quando o indivíduo toma
conhecimento disso ele faz a conexão com o guerreiro interior que irá cuidar do
órfão. Aí ele supera a orfandade, porque o guerreiro é ele mesmo, isto é, um
arquétipo que existe no seu interior que vai cuidar da parte órfã, substituindo
sua família inicial. O forte é ele. Ele adquire segurança e auto-estima. E
parte para a luta. O homem, no sentido ritualístico de programado sexual para
ser pai de família, é aquele que faz o ritual de substituir a perda da família
por constituição de outra. Não quer fazer isso porque se sente órfão. Ele é
obrigado pela sociedade a constituir outra família. Porque a sociedade precisa
de mão-de-obra, o biopoder como explicou Foucault. Porque sendo seguro de si
mesmo, amando-se incondicionalmente, ele só quer gozar e curtir o que gosta de
fazer. Se diferencia do Peter Pan porque tornou-se um guerreiro superando a
sombra que cai sobre a “lady” e o Peter Pan. Só os fracos, órfãos ou com medo
da orfandade é que querem eternizar a mãe e o pai porque se sentem sempre uma
criança. Portanto, quando ele conecta o guerreiro, o herói que habita todos
nós, assume, dentro dele, o seu destino e ele passa a lutar pela vida sozinho
porque o guerreiro dentro dele o faz ser disciplinado, o faz ser estratégico
para atingir seus objetivos. Ele vira a melhor das feras para viver na selva
capitalista. Já o homem ritualístico, ele gosta que a mulher avulsa se
prostitua e trata todas como a fera trata a fêmea, daí o feminismo. Ele paga
sem problema e arregaça e depois manda embora. Puta é puta e basta. Quem casou
consigo mesmo e se ama não ama mais ninguém nem precisa. Não é uma senhorita.
Ele não quer ninguém limitando sua liberdade de gozar, de ser só, com os amigos
de farra em farra, de conquista em conquista. Conquista
da vida no capitalismo selvagem com a frieza necessária para vencer. Criar
menino e tolerar mulher, no sentido de cair na arapuca do casamento produtor de
mão-de-obra é coisa de otário. Por que então não se pode ser guerreiro?
Predador em uma sociedade de predadores? Que corre prá dentro para guerrear e
gozar quando tem a vitória. Seu lema é vencer com a força do tigre, a astúcia
da raposa e a visão do falcão. Portanto, como qualquer predador, compreende que
está sempre em guerra em uma natureza ao acaso, como mostrou Jacques Monod, com
uma sociedade apodrecida sempre em guerra, a hipótese Nietzsche de Foucault,
disfarçada de paz e democracia. O seu grande orgasmo é quando ele vence. Claro,
se você encontra outro guerreiro, para além do bem e do mal, que entendeu
Nietzsche quando criou o Zaratustra e evidenciou a vontade de poder, a parceria
é muito boa, mas você não pode nem ser a “lady” nem o outro Peter Pan. Não
venha me dizer coisas contra Nietzsche que os consumidores de sua força
espalham por aí para lhe dominar. Mas se não encontrou outro guerreiro, quando
se entende isso, a “lady” joga fora a peruca, o lencinho recheado de lágrimas,
a vontade de ser amada por um sujeitinho bonitinho, mas fraquinho, e parte para
a luta, toma posse do corpo do outro e o larga depois de sugá-lo, pagando, se
for essa a isca, a carcaça.
Consulte:
O que é cinematerapia ou
filmeterapia.
Os filmes, sobre os temas aqui
tratados, devem ser vistos em seqüência. Primeiro :
“Em Roma na Primavera”, depois o “Anjo de Pedra” e, terceiro, “O Doce Pássaro
da Juventude”.
Tennessee Williams escreveu o
mesmo tema nesses três filmes e em muitas de suas peças. As ladys dos filmes são, na realidade, os
homens que se apaixonam, ou assim imaginam, pelo psicopata infantil que os vão
destruir. Desde “Um Bonde Chamado
Desejo” ele repete o mesmo tom de raciocínio.
Os dois primeiros mostram a
fragilidade das ladies. O último muda o final. Por isso devem ser vistos nessa
seqüência. Para você se ver nos dois primeiros filmes e depois aprender a ser o
monstro enfrentando monstros no último filme. Só um detalhe: monstro não se
confessa monstro. O espertalhão chama de monstro quem age estrategicamente.
Usa, como todo homem usa, quem está se vendendo, se apaixona por si mesmo, luta
e vence no capitalismo selvagem e esporra em quem estiver vacilando. Sim
Cinderela, primeiro tem de tirar os sapatinhos, virar Robin Hood ou Thor e pode
amar outro guerreiro no estilo, que é melhor para homens, como Sartre e Simone
de Beauvoir se amaram para sempre. Mas o nascer para amar é um mito para
mocinhas que liam fotonovelas. O macho em geral só quer gozar ou com mulheres
fáceis, homens fáceis ou os dois ou incluindo até animais e as próprias mãos. O
resto é baratino. O resto é vacilar. O resto é nascer para ser otário numa
sociedade de espertos e canalhas a cada esquina dispostos a lhe tirar por
otário. Ou você escapa dos vampiros lhe enfiando a estaca ou se deixa morder e
viver sendo sugado. Não é só o tolo gigolô, mas todos que dão uma de vampiro em
cima de você. Quem lhe suga seu tempo, sua liberdade, lhe dá tarefas, lhe faz
chantagem para lhe dar alguma coisa. É o fascista que lhe oprime fingindo de
democrata e lhe prejudicando dizendo que é para o seu bem. Você acha melhor ser
lembrado como otário ou como miserável, escroto por aqueles que não conseguiram
lhe explorar econômica, emocional e ditatorialmente? Acorda quem tem o complexo
de Blanche Dubois! Joga fora a sapatilha e veste a armadura porque a vida e os
outros, zumbis ou vampiros, não estão dormindo!
Cabe a você se perguntar se
prefere ser Blanche Dubois de Um Bonde
Chamado Desejo ou Alexandre da Macedônia? Ou ainda Thor, Apolo, o rei sábio
de si mesmo. Desenvolva a fera que está dentro de você. Repare, não seja burro,
a fera humana é a mais aparentemente dócil e educada e como os melhores gatos
esconde suas garras e só as usa quando precisa. A estratégia bem calculada
evita o uso das garras afiadas, as substituindo pela disciplina,
insensibilidade conquistada pelos exercícios de auto- controle e por isso tem
confiança e segurança no guerreiro interior que construiu dentro de si mesmo.
Quem tem a segurança absoluta de si mesmo não vacila, não é ansioso, não é
depressivo. Como arma estratégica evita a maioria das lutas mais violentas, não
por medo, mas por estratégia. A fera humana que habita em nós, ou dito de outra
maneira, o guerreiro racional que é o herói interior que cuida e protege o
órfão, ele tem sua força principal no raciocínio que ele aprendeu com os
guerreiros de todos os povos, nossos ancestrais. Por isso ele lê ajoelhado o
Hagakure e todos os ensinamentos dos guerreiros nossos ancestrais e cultua
Apolo e os deuses gregos, Thor e todos os outros guerreiros da humanidade.
Recebe esse conhecimento e a energia desses modelos.
Consulte na internet esse resumo do
pensamento de Jung.
https://sonharsimbolos.wordpress.com/category/o-guerreiro/
Se quiser aprofundar:
“O Despertar do Herói Interior” – Carol
S. Pearson
“Rei, Guerreiro, Mago, Amante” - Robert Moore e Douglas Gillete.
Este último trata da masculinidade e
seus arquétipos.