quarta-feira, 23 de julho de 2014

Como Jung pode nos ajudar

O problema: porque as relações sexuais entre homens parecem ser tão complicadas?


 1 - A hipótese social: porque todo prazer sexual, não sendo para a reprodução da mão de obra, isto é, nascimento de crianças, foi perseguido e não gerou nenhum estatuto de rituais, nem propaganda positiva desse tipo de relação. Foi sempre vendido para ser contido como apenas prazeres “imundos”, “anormais”, “genitais”, “safadeza”, “doença”, “aberração”. O sexo reprodutivo foi vendido como “o certo”, com rituais festivos: casamento, noivado, amor romântico  purificando e deslocando, nos filmes, através de canções, o sexual para uma relação de amor. Isso gerou para o prazer entre homens, apesar de sua tradição longa em muitas civilizações, um prazer órfão, condenado à sarjeta. Para ser praticado por “anormais” na calada das madrugadas, escondido de todos. Sob o manto de imensa vergonha.

2 – A hipótese psicanalítica mais tradicional: não tendo um estatuto, o sexo entre homens passou a copiar o sexo reprodutivo, heteronormativo como chama hoje a teoria Queer. Assim sendo, um homem, que representa uma “lady” ou senhorita nervosa querendo amar e outro homem, em geral vagabundo, objeto do desejo. Essa representação teatral surgiu devido a essa orfandade de modelos. O menino, então, quando descobre que sexo com o mesmo sexo é muito prazeroso, se sente órfão, sem o amparo dos pais e, alguns, para compensar isso, se enxerga como uma dama fina e educada, mas atraída por um homem que não a quer  e só pode ser comprado e, assim, obrigado a amá-la. Vive essa fantasia que o outro é o homem e, de fato é, no sentido em que não se sente uma dama e sabe que, nesse jogo, “ela” está comprando sua esperada masculinidade: homem que gosta de mulher e fará “o favor” de incluí-la no seu harém. Mas ele também se sente órfão ao se relacionar com o mesmo sexo porque é medroso, às vezes muito mais do que a “lady”. Ele está, portanto, representando e, o tempo todo, tentando ajustar sua fraqueza total à sua descoberta de que pode satisfazer sexualmente outro homem e aí se proteger da punição social. É um jogo de órfãos, extremamente medrosos, que em vez de se tornarem ou desenvolverem o guerreiro interior, ficam buscando, onde não encontrarão, quem vai cuidar deles. Por isso, o que representa o papel de homem na relação, espera também, do outro homem, que cuide dele, mas o deixando livre, porque ele ainda é uma criança órfã que quer um homem mais velho para substituir sua família ou, em um momento de necessidade, suprir esse momento de sua vida. É existencialmente órfão e tenta sair da orfandade para brincar à vontade como uma criança, que não é mais órfã porque encontrou um que se apaixonou por ele e o mantém e o aconselha como um pai e uma mãe que o amam incondicionalmente e ele incentiva o tempo todo que o amem. Entretanto, como uma criança raivosa e psicopata, ele tortura o outro o tempo todo para, como faz com todos à sua volta, o aceitar como uma criança idiota mantida por alguém que o tenha parido ou não. Se encontrar moleza faz o outro manter ele com o teatro de se casar e ter filhos. Porque ele é tão medroso que tem de casar e ter filhos. Pateticamente, acaba até casando várias vezes com mulheres, e mantendo a relação com a “lady” que é o outro homem. Já a “lady”, se sente também órfã, mas só infantil na vontade de ser amada. Não é uma eterna criança, uma espécie de síndrome de Peter Pan. Aos trancos e barrancos se apega a uma cultura ou posição social superior, daí se sentir uma “lady”, para poder substituir a orfandade.  Entretanto, a orfandade permanece na hora de tentar receber amor do objeto do desejo que não pode amá-la, como também não ama a mãe, nem mulheres, nem os filhos, se os gerou. Ele é uma criança sociopata e por isso não ama ninguém, nem a si mesmo. Ele quer viver sua orfandade sustentada por uma vítima que substituiu a sua família ou se juntou a ela para o manter. Portanto, é impossível que a “lady” consiga que o seu objeto do desejo, o homem quase marginal, de uma masculinidade explícita ou ensaiada, possa amá-la.  Ele não pode satisfazer essa necessidade porque ele é mais fraco do que a “lady”, tanto que não tem profissão, não se mantém, é uma criança eterna, mais órfã do que a “lady”, que no seu imaginário é fina, rica e maravilhosa. Às vezes até o eterno objeto do desejo de outro homem, não trabalha, nem estuda, porque, se assim não o fizer, não terá mais a desculpa, isto é, o passaporte para ser mantido por outro homem e, assim sendo, sua orfandade fica difícil de carregar uma vez que ele se sente órfão e medroso para enfrentar a sociedade amando outro homem. Daí ele mesmo se boicota. Por detrás dos músculos e trejeitos pega-moça, ou melhor, pega-veado, habita uma criança voluntariosa, sem nenhum caráter, mentirosa como toda criança, eternamente em busca de brincar, o que inclui muito álcool, drogas de todo tipo e vícios que para a ele não passa de brincadeiras. Em geral, é um inútil, que não tem noção de nada, não estudou, não tem emprego, consome ou drogas pesadas ou álcool em excesso. Rapidamente, como a vida das borboletas, eles ficam obesos, feios, deprimidos e na sarjeta. Observem eles no asilo, no hospício, no cemitério ou vagando como zumbis à beira da mendicância, vivendo de favor, humilhados e carcomidos, fracassados na casa de uma irmã. Resumo: a “lady” fina, se achando superior como a personagem Blanche Dubois de Um Bonde Chamado Desejo, termina sendo vencida pelo mais fraco do que ela, no momento do seu desejo pelo corpo do Peter Pan, que por uma tentativa de se libertar da orfandade enfrentou o desprezo e/ou a violência dele. A “lady” se sente órfã à procura da mãe e do pai perdidos na aparente força do outro que ela tem desejo. Encena a mulher frágil pensando que assim o conquistará. Com gritos e lágrimas. Só que, o outro, é mais fraco do que “ela”, medroso, incapaz de amar por medo da sociedade ou não quer amar porque é uma criança brincalhona e incapaz de crescer, o que o faz ser sempre um fracassado. Aí “ela” fracassa mais uma vez em sua inconsciente tentativa de substituir a mãe pelo seu atual objeto do desejo, que sendo um homem não gera socialmente, nem foram criados para isso, os rituais possíveis para resolver o problema edipiano.  A mulher substitui a mãe no casamento e na nova família. Como fazer isso com um outro fragilizado, sob todas as formas, tendo apenas músculos que vai perder em breve e um doce pássaro da juventude corporal que passará rapidamente e só restará, algumas vezes, a piedade da “lady” de memória sempre  amarga? Repare que o homem comum, egoísta, tolo, mas autoconfiante, pode ter uma fase de criar um corpo belo como a “lady”, mas o que ele quer é ter dinheiro, repare, ter dinheiro e poder e não se preocupa com a velhice, corpo gordo ou desajeitado, se é feio ou não. Não sofre do complexo nem de Cinderela nem de Madrasta de Branca de Neve. Ele não que ser amado, ele quer é gozar, ter dinheiro e poder. A mulher bonita e jovem ele nem se preocupa se gosta ou não dele. Essa é a preocupação obsessiva da “lady”. Ele quer é a possuir. Ele se acha bonito porque não tem idade uma vez que dinheiro e poder não têm idade. Por isso eles vendem a alma ao diabo ou seja seu charme, seu glamour para ter o dinheiro e o pau sempre ereto para sentir prazer ou o rabo, pouco importa, ele quer é gozar a vida. Já a “lady” que ser amada. Sofre de uma imensa carência afetiva porque não consegue se amar como é. Se ser sempre muito bonito e jovem é coisa de gente tola. O negócio é se ser um guerreiro sem idade, capaz de gozar a vida da melhor maneira, para além de vícios e muletas, para se ser o mais eficiente possível nessa sociedade de canalhas e assim conquistar a paz de espírito e a verdadeira felicidade. 

3 – A Hipótese Guerreira usando Jung como ilustração: me apropriei de alguns conceitos para criar uma análise mais de acordo com que sempre pesquisei: a formação da masculinidade guerreira entre homens que sentem prazer sexual com homens. As histórias de vários povos narram o que Jung chamou de arquétipos ou modelos recorrentes sugerindo que eles descrevem ou criaram um inconsciente coletivo. Bem, não é preciso se ter esses modelos tão recortados. Existe o medo da orfandade. Esse medo é ter de lutar pela vida sozinho. O medo da solidão é isso. Estar só para lutar não é bem só estar só porque não tem mais a mãe e o pai ou a sua família está fragmentada em outras famílias, quer dizer, os irmãos casados, vivendo em outra casa. Só resta o emocionalmente gelado apartamento sem ninguém. Daí a Blanche Dubois querer resolver essa angústia de se sentir órfã sem desejar uma mulher para fazer uma família. Ela  luta para aprisionar o seu outro objeto do desejo. Só que ele não se acha órfão porque resolve sua orfandade com o modelo do malandro, daquele que se afoga na semi-marginalidade, vivendo no absolutamente presente de Peter Pan. Ele teme ser órfão e extravasa sua fraqueza com uma pseudo-força que transforma sua liberdade exacerbada do presente a um ponto de o fazer se afogar nela como o menino que sabe que será órfão e aproveita o pouco tempo que tem para gozar de tudo que pode em uma noite só. Gozo corporal para entorpecê-lo de sua falta de força, de maturidade que esconde sob seus músculos, juventude e uma possível instável beleza: uma criança selvagem porque extremamente medrosa. Daí nunca será nada na vida nos termos de um capitalismo  a natureza também selvagem que não tem espaço nem para seres fracos nem para crianças com corpo de homens.

4 – Quando o indivíduo toma conhecimento disso ele faz a conexão com o guerreiro interior que irá cuidar do órfão. Aí ele supera a orfandade, porque o guerreiro é ele mesmo, isto é, um arquétipo que existe no seu interior que vai cuidar da parte órfã, substituindo sua família inicial. O forte é ele. Ele adquire segurança e auto-estima. E parte para a luta. O homem, no sentido ritualístico de programado sexual para ser pai de família, é aquele que faz o ritual de substituir a perda da família por constituição de outra. Não quer fazer isso porque se sente órfão. Ele é obrigado pela sociedade a constituir outra família. Porque a sociedade precisa de mão-de-obra, o biopoder como explicou Foucault. Porque sendo seguro de si mesmo, amando-se incondicionalmente, ele só quer gozar e curtir o que gosta de fazer. Se diferencia do Peter Pan porque tornou-se um guerreiro superando a sombra que cai sobre a “lady” e o Peter Pan. Só os fracos, órfãos ou com medo da orfandade é que querem eternizar a mãe e o pai porque se sentem sempre uma criança. Portanto, quando ele conecta o guerreiro, o herói que habita todos nós, assume, dentro dele, o seu destino e ele passa a lutar pela vida sozinho porque o guerreiro dentro dele o faz ser disciplinado, o faz ser estratégico para atingir seus objetivos. Ele vira a melhor das feras para viver na selva capitalista. Já o homem ritualístico, ele gosta que a mulher avulsa se prostitua e trata todas como a fera trata a fêmea, daí o feminismo. Ele paga sem problema e arregaça e depois manda embora. Puta é puta e basta. Quem casou consigo mesmo e se ama não ama mais ninguém nem precisa. Não é uma senhorita. Ele não quer ninguém limitando sua liberdade de gozar, de ser só, com os amigos de farra em farra, de conquista em conquista. Conquista da vida no capitalismo selvagem com a frieza necessária para vencer. Criar menino e tolerar mulher, no sentido de cair na arapuca do casamento produtor de mão-de-obra é coisa de otário. Por que então não se pode ser guerreiro? Predador em uma sociedade de predadores? Que corre prá dentro para guerrear e gozar quando tem a vitória. Seu lema é vencer com a força do tigre, a astúcia da raposa e a visão do falcão. Portanto, como qualquer predador, compreende que está sempre em guerra em uma natureza ao acaso, como mostrou Jacques Monod, com uma sociedade apodrecida sempre em guerra, a hipótese Nietzsche de Foucault, disfarçada de paz e democracia. O seu grande orgasmo é quando ele vence. Claro, se você encontra outro guerreiro, para além do bem e do mal, que entendeu Nietzsche quando criou o Zaratustra e evidenciou a vontade de poder, a parceria é muito boa, mas você não pode nem ser a “lady” nem o outro Peter Pan. Não venha me dizer coisas contra Nietzsche que os consumidores de sua força espalham por aí para lhe dominar. Mas se não encontrou outro guerreiro, quando se entende isso, a “lady” joga fora a peruca, o lencinho recheado de lágrimas, a vontade de ser amada por um sujeitinho bonitinho, mas fraquinho, e parte para a luta, toma posse do corpo do outro e o larga depois de sugá-lo, pagando, se for essa a isca, a carcaça.

Consulte:

O que é cinematerapia ou filmeterapia.

Os filmes, sobre os temas aqui tratados, devem ser vistos em seqüência.  Primeiro: “Em Roma na Primavera”, depois o “Anjo de Pedra” e, terceiro, “O Doce Pássaro da Juventude”.

Tennessee Williams escreveu o mesmo tema nesses três filmes e em muitas de suas peças.  As ladys dos filmes são, na realidade, os homens que se apaixonam, ou assim imaginam, pelo psicopata infantil que os vão destruir.  Desde “Um Bonde Chamado Desejo” ele repete o mesmo tom de raciocínio.
Os dois primeiros mostram a fragilidade das ladies. O último muda o final. Por isso devem ser vistos nessa seqüência. Para você se ver nos dois primeiros filmes e depois aprender a ser o monstro enfrentando monstros no último filme. Só um detalhe: monstro não se confessa monstro. O espertalhão chama de monstro quem age estrategicamente. Usa, como todo homem usa, quem está se vendendo, se apaixona por si mesmo, luta e vence no capitalismo selvagem e esporra em quem estiver vacilando. Sim Cinderela, primeiro tem de tirar os sapatinhos, virar Robin Hood ou Thor e pode amar outro guerreiro no estilo, que é melhor para homens, como Sartre e Simone de Beauvoir se amaram para sempre. Mas o nascer para amar é um mito para mocinhas que liam fotonovelas. O macho em geral só quer gozar ou com mulheres fáceis, homens fáceis ou os dois ou incluindo até animais e as próprias mãos. O resto é baratino. O resto é vacilar. O resto é nascer para ser otário numa sociedade de espertos e canalhas a cada esquina dispostos a lhe tirar por otário. Ou você escapa dos vampiros lhe enfiando a estaca ou se deixa morder e viver sendo sugado. Não é só o tolo gigolô, mas todos que dão uma de vampiro em cima de você. Quem lhe suga seu tempo, sua liberdade, lhe dá tarefas, lhe faz chantagem para lhe dar alguma coisa. É o fascista que lhe oprime fingindo de democrata e lhe prejudicando dizendo que é para o seu bem. Você acha melhor ser lembrado como otário ou como miserável, escroto por aqueles que não conseguiram lhe explorar econômica, emocional e ditatorialmente? Acorda quem tem o complexo de Blanche Dubois! Joga fora a sapatilha e veste a armadura porque a vida e os outros, zumbis ou vampiros, não estão dormindo!

Cabe a você se perguntar se prefere ser Blanche Dubois de Um Bonde Chamado Desejo ou Alexandre da Macedônia? Ou ainda Thor, Apolo, o rei sábio de si mesmo. Desenvolva a fera que está dentro de você. Repare, não seja burro, a fera humana é a mais aparentemente dócil e educada e como os melhores gatos esconde suas garras e só as usa quando precisa. A estratégia bem calculada evita o uso das garras afiadas, as substituindo pela disciplina, insensibilidade conquistada pelos exercícios de auto- controle e por isso tem confiança e segurança no guerreiro interior que construiu dentro de si mesmo. Quem tem a segurança absoluta de si mesmo não vacila, não é ansioso, não é depressivo. Como arma estratégica evita a maioria das lutas mais violentas, não por medo, mas por estratégia. A fera humana que habita em nós, ou dito de outra maneira, o guerreiro racional que é o herói interior que cuida e protege o órfão, ele tem sua força principal no raciocínio que ele aprendeu com os guerreiros de todos os povos, nossos ancestrais. Por isso ele lê ajoelhado o Hagakure e todos os ensinamentos dos guerreiros nossos ancestrais e cultua Apolo e os deuses gregos, Thor e todos os outros guerreiros da humanidade. Recebe esse conhecimento e a energia desses modelos.

     Consulte na internet esse resumo do pensamento de Jung.

      https://sonharsimbolos.wordpress.com/category/o-guerreiro/
          
            Se quiser aprofundar:

       “O Despertar do Herói Interior” – Carol S. Pearson
      
        “Rei, Guerreiro, Mago, Amante”  - Robert Moore e Douglas Gillete.

        Este último trata da masculinidade e seus arquétipos.